quinta-feira, 2 de abril de 2009

Reminiscências





Reminiscências




Há momentos, palavras, objetos, que nos trazem à mente fatos adormecidos. Quando penso que meus avós descansarão, finalmente, em seus berços esplêndidos, eis que uma ventania passa por minha varanda trazendo um suave perfume de saudosismo.




Saudosismo ou reminiscência? Não importa, já que para alguns, tudo não passará mesmo de registros, dado a pouca importância que se é oferecida aos que vivem revirando velhos baús.
E vejo-me, do nada, não a revirar antigas fotos, até porque as tiramos bem pouco, mas a colher aqui e ali, momentos inesquecíveis, vividos em noites de chuvas fortes ou finas, ouvidas à cabeceira da cama, quando resfriados ou mesmo com medo de dormir ou quando a luz, do nada se apagava. Eram histórias de porteiras batendo, morcegos que invadiam as casas, cantigas estranhas e barulhos mata à dentro ,quando noite de lua cheia.




A cura se antecipava, engraçado, e para falar a verdade, adoecer, às vezes, tornava-se estado de graça, pois quase sempre, embalados as histórias, vinham os famosos biscoitos prometidos a João e Maria e, graças a Deus, reservados a nós, pequenos mortais de um tempo não tão distante.




E quando a chuva passava, o frio acabava, a gripe se ia, fugitiva, talvez, de tantas histórias, que bom que era poder brincar de pique, amarelinha, contar os pingos de chuva (como se pudesse), caídas da calha da casa, enquanto da cozinha vovó gritava: menina! Desse jeito apanha de novo uma gripe!

O primeiro arroz, a carne muída, o bolo de chuvas, o cerzir, o bordar, as noites de vésperas de natal , de loja em loja, para encomendar ao Papai Noel um presentinho para a Maria, João, Ceci... O que me faz lembrar da Ceci, aquela que comigo brincava nas tardes de domingo , de bonecas, panelinhas, costureira...




La fora a chuva cai. O outono já chegou e acho que com ele veio também a primavera, o verão e o inverno...Porque será que o inverno é uma estação que sempre cruza nossas estações interiores?O que me faz pensar ainda na juventude atual. Será que traz consigo, algum adolescente, jovem,,criança, momentos que possam ser embalados, guardados cuidadosamente em laços de fitas para quando o outono bater-lhe à porta?




Dizem-nos, quando abordados sobre o tema, não ser preciso naftalinas para conservar as lembranças; que as digitais captam a alma do ser, que as mensagens digitais revelam em pouco tempo e espaço o bem estar em se poder matar a saudade, quando se mora tantas vezes do outro lado da cidade, do pais...Não ouvem mais histórias que metem medo, não furam bolo, não comem bolo quente, não brincam na chuva, não ouvem histórias quando estão febris, sequer sabem o rumo que foi dado a vida de Maria e João. Mas sabem que do outro da tela alguém intercede, com rosário ou Bíblia em mãos para suas vidas não sejam atingidas por balas perdidas; para que, se ao beberem alguma coisa, não corram o risco de adormecer e despertem no meio de um pesadelo, para que as brincadeiras criadas em algumas universidades não lhe estrangulem os sonhos, que seus amigos e amigas tenham sonhos e não delírios .


Se vovó estivesse viva, não sei o que diria a meus filhos, a mim. Somente sei que eu, nos meus quarenta e poucos anos, trago comigo suaves lembranças. E quando tantas vezes, ao entardecer, desligo a teve , ouço no fim de uma rua sem saída, crianças a brincar de pique, amarelinha,, vôlei, futebol e a noite vai caindo lentamente, deixo a penumbra invadir o quarto , fico a imaginar se meus netos e bisnetos terão esta oportunidade. Percebo que assim como tantas outras, a rua , antes de poucas casas, agora já não possui mais espaço. E temo que as casas de varandas e quintais sejam , definitivamente, substituídas por apartamentos, condomínios fechados. Que jogar , brincar de bonecas, fazer amigos, seja algo virtual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores

Quem sou eu

Minha foto
Sou um ponto Elemento visual real tantas vezes pequeno em relação a um plano maior. Um ponto que penetra espaços vazios de sentimentos emoções. Sozinha Sou apenas um ponto mas que ao aglutinar-me viajo no universos das possibilidades fusão do verbal com o visual na complexa sintaxe da vida.